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Niterói, RJ
Médico Veterinário que trabalha no tratamento e no estudo de distúrbios de comportamento em cães e gatos. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/9116323178127878

quarta-feira, 6 de abril de 2011

Cães que latem muito II

Esta postagem tem o objetivo de complementar a "Cães que latem muito...". Na referida postagem, eu me referi especificamente à Ansiedade de Separação, mas os cães não latem só nesses casos e isso pode ser observado por quelaquer um que já tenha visto um cão. Por que eles latem? Algum engraçadinho vai dizer: porque eles não sabem falar! Mas é um pouco mais complexo do que isso.

Os cães tiveram sua domesticação iniciada há mais de 10 mil anos. É possível que tenha sido o primeiro animal domesticado e certamente é a espécie que mais sofreu influências humanas diretas em sua evolução. Acredita-se que o ancestral do nosso cão doméstico seja o Lobo Cinzento Europeu. Mas aí alguem que conheça o comortamento dos lobos europeus vai dizer: "Esses animais latem muito pouco, muito pouco mesmo!! Por que o cachorro late tanto?" 

O que nós conhecemos hoje como Canis familiares é um animal fruto de uma forte pressão de seleção artificial. Os seres humanos vêm selecionado os cães e manipulando-os geneticamente por cruzamentos dirigidos há muito tempo. Tal fator é responsável pela imensa diversidade morfológica da espécie que contém desde cães mínimos como o Chiuaua (um adulto pode pesar menos de 1Kg) até cães enormes como o Dinamarques (um adulto pode pesar mais de 80Kg). Essa mesma seleção artificial provocou um fenômeno chamado Neotenia (persistência de comportamentos infantilizados no adulto), tendo uma de suas características a persistência da vocalização além da infância. Falando em português mais claro, o ser humano fez do cão um animal mais vocalizador por desejar tal comportamento. Isso é fácil de perceber, pois há raças que praticamente não latem (Husky siberiano e Basenji, por exemplo). Essas raças não tiveram a seleção de tal característica na sua origem. Da mesma forma, há raças que latem muito (Terrier Brasileiro, Pincher, Doberman, por exemplo).



"Tudo bem, como o programa Latidos 2.0 foi instalado no sistema operacional canino eu já entendi, mas por que eles latem?"

Cães latem por diversas razões: para afugentar um invasor, como forma de intimidação (antes de um ataque), como estratégia de caça, para chamar atenção das pessoas ou  para imitá-las. Sendo importante ressaltar que em grande parte desses contextos há aprendizado no comportamento, ou seja, o cão aprende que latindo consegue o que quer (afugentar o invasor, não ser obrigado a se arriscar em um embate físico, levar a presa para onde quer ou ganhar a atenção das pessoas como prêmio).

Um cão que late no portão e consegue que o pretenso invasor de seu território se vá, teve sua recompensa. Mas normalmente esse contexto não fica tão claro para o transeunte. Se fosse possível traduzir os pensamentos desses dois personagens (o cão guardião e o transeunte) veríamos duas ideias completamnete distintas.

O cão: " Vá embora daqui seu abusado que está invadindo meu território!!! Eu sou the best! Latí um pouquinho e o covarde se foi!"
O transeunte: "Tô indo pra minha casa, doidinho pra jantar. Cachorro chato, toda vez que passo em frente a essa casa, essa peste late pra mim. Bicho inconveniente!!!"

O transeunte não sabe que aquele pedaço da calçada é território do cachorro, para ele o muro marca o fim da propriedade instituída e registrada em cartório, a calçada é parte da rua e a rua é pública. Mas o cão pode enxergar limites territoriais superiores aos que lhe impomos e isso pode ser um grande problema quando esse cachorro consegue sair dos limites do portão, pois ele pode atacar esse transeunte desavisado. Ninguém avisou ao cão que o cidadão já iria passar mesmo por ali, ele não iria parar ou entrar mais no território do cão, por isso o peludo se sente o "rei da cocada preta" quando tem sucesso no seu intento de rechaçar o invasor.

Outro contexto comum que se torna queixa por parte de quem convive com o cão é o cachorro que late para o interfone. Imagine a cena: o interfone toca, a pessoa está no quarto e grita "Fulaninho, atende ai pra mim, por favor?!" O cachorro aprende que quando o interfone toca, tem que gritar (no caso dele latir). Ele aprende a latir por imitação. Mas pode aprender também que ao tocar o interfone há uma séria de mudanças na casa, pois a família se agita por causa da visita. Outro aprendizado é que latir enquanto a pessoa fala no interfone ou telefone é receita certa para chamar sua atenção e ser recompensado com ela. Nem que seja para ouvir um "cala a boca cachorro", que é normalmente gritado instigando mais ainda a brincadeira de latir em grupo.

O cão pode latir como consequência da ansiedade (não a SASA). Um cão que espera receber alguma coisa da pessoa que convive com ele pode ficar ansioso e latir sem parar. Nesse caso há um comportamento eufórico que acompanha o latido ("sapateados", pequenos choros, aumento da frequência respiratória, por exemplo). Neste caso, os latidos sãos sinais de que mais alguma coisa pode estar errada, o cão pode esta realmente precisando de mais atenção e/ou mais atividades físicas e/ou de mais espaço.

Se o seu cachorro late muito e de forma inconveniente, identifique o que está desencadeando o comportamento e passe a ignorá-lo quando ele late. Se tiver dificuldade, procure ajuda profissional para identificar corretamente o contexto desencadeante e para traçar um plano de dessensibilização para ensinar ao cão que latindo ele não conseguirá o que quer.

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