Quando comecei a estudar
comportamento dos cães, aprendi que havia entre os cães uma forte necessidade
de hierarquia e que tal hierarquia era estabelecida por relações de dominância
X submissão. Além disso, que o cão ao ser inserido na família humana buscaria
identificar tal hierarquia e ocuparia o posto hierárquico que lhe fosse permitido.
Tal informação foi uma inferência
a partir de estudos feitos com comportamentos de lobos em condições não
naturais. Lobos Cinzentos que foram capturados individualmente em locais
distintos e transferidos para parques nacionais ou santuários. Tal inferência
se desenvolveu e deu origem a uma teoria não escrita batizada de “teoria da
matilha”. Tal conceito levou e ainda leva muitas pessoas a tentar impor uma
liderança conquistada pela força com os cães.
Ao começar os estudos do meu
doutorado, em 2008, eu ainda pensava assim. Porém algumas coisas me chamaram
atenção:
- (A) Os
casos que eu atendia, que tinham o contexto de agressão por dominância descrito
na literatura, na maioria das vezes aconteciam com os cães com posturas de
medo. Quando o esperado seria uma postura altiva característica de um animal
que tenta se sobrepor hierarquicamente ao outro. O que também foi descrito por
Luescher e Reisner em 20001
- (B) Uma
das etapas da minha tese foi utilizar o teste de Campbell em filhotes. O teste
de Campbell tem o objetivo de testar o grau de dominância dos filhotes. Como o
teste fora publicado em 19722 e nunca fora validado, fui tentar
validá-lo a partir da comparação de seus resultados com os resultados do
etograma das ninhadas3 e vimos que não havia relação entre os
escores de dominância obtidos das duas maneiras.
- (C) Li
um artigo4 que questionava as técnicas baseadas em hierarquia usadas
para o tratamento de agressão entre cães.
- (D) Li
o livro da Dra. Tample Grandin5 que falava sobre o bem-estar de
animais domésticos e questionava o conceito de dominância canina pelos
seguintes pontos: Cães são cognitivamente diferentes de lobos cinzentos e os
estudos posteriores feitos com observação de lobos em condições naturais
descreveram que estes têm uma hierarquia familiar sem a necessidade do
estabelecimento de relações de dominância.
Mas então como é? Vejo alguns
autores e algumas associações ainda presos ao conceito da dominância despótica,
do cão que quer dominar todos ao seu redor. Mas, eu cada vez mais me convenço
que a estrutura social canina é muito mais próxima da estrutura social humana
do que da do lobo cinzento. O prof. João Telhado no seu capítulo sobre Comportamento
Social canino6 diz com muito bom humor que cães não conhecem o
alfabeto grego. Em grupos de cães errantes ou semidomicilados não há a figura
do casal alfa, encontrado em grupos de lobos, assim como não há um líder absoluto
do grupo.
Então, dominância não existe? Existe. Mas
se refere a relações estabelecidas entre dois indivíduos no contexto da
prioridade de acesso ou do controle de determinado recurso e pode ser
estabelecida de forma pacífica ou agressiva. Assim como há relações de
dominância entre seres humanos ou quaisquer outros animais sociais.
Mas, como estabelecer o controle
sobre o cão? Confiança. Estabeleça um vínculo de confiança com seu cão. Seja
coerente, seu cão precisa saber que determinado comando ou forma de interação
acarretará determinada recompensa ou não. E, por fim, eduque seu cão. Ele
precisa saber o que ele pode e não pode fazer de forma clara e compatível com
sua capacidade cognitiva.
Referências
1-
LUESCHER,
A. U.; REISNER, I. R. Canine aggression toward familiar people: a new look at
an old problem, Veterinary Clinics of
North America, Small Animal Practice, v. 38, n. 5, p.1107-1130, 2008.
2-
CAMPBELL, W.
E. A behavior test for puppy selection. Modern
Veterinary Practice., v. 53, n. 12, p. 29-33, 1972.
4-
VAN KERKHOVE,
W. A Fresh Look at the Wolf-Pack Theory of Companion-Animal Dog Social
Behavior, Journal of Applied Animal
Welfare Science, v. 7, n. 4,
p. 279–285, 2004.