Quem sou eu

Niterói, RJ
Médico Veterinário que trabalha no tratamento e no estudo de distúrbios de comportamento em cães e gatos. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/9116323178127878

quinta-feira, 8 de maio de 2014

Dominância Canina


Quando comecei a estudar comportamento dos cães, aprendi que havia entre os cães uma forte necessidade de hierarquia e que tal hierarquia era estabelecida por relações de dominância X submissão. Além disso, que o cão ao ser inserido na família humana buscaria identificar tal hierarquia e ocuparia o posto hierárquico que lhe fosse permitido.
Tal informação foi uma inferência a partir de estudos feitos com comportamentos de lobos em condições não naturais. Lobos Cinzentos que foram capturados individualmente em locais distintos e transferidos para parques nacionais ou santuários. Tal inferência se desenvolveu e deu origem a uma teoria não escrita batizada de “teoria da matilha”. Tal conceito levou e ainda leva muitas pessoas a tentar impor uma liderança conquistada pela força com os cães.
Ao começar os estudos do meu doutorado, em 2008, eu ainda pensava assim. Porém algumas coisas me chamaram atenção:

  • (A)  Os casos que eu atendia, que tinham o contexto de agressão por dominância descrito na literatura, na maioria das vezes aconteciam com os cães com posturas de medo. Quando o esperado seria uma postura altiva característica de um animal que tenta se sobrepor hierarquicamente ao outro. O que também foi descrito por Luescher e Reisner em 20001
  • (B)  Uma das etapas da minha tese foi utilizar o teste de Campbell em filhotes. O teste de Campbell tem o objetivo de testar o grau de dominância dos filhotes. Como o teste fora publicado em 19722 e nunca fora validado, fui tentar validá-lo a partir da comparação de seus resultados com os resultados do etograma das ninhadas3 e vimos que não havia relação entre os escores de dominância obtidos das duas maneiras.
  • (C) Li um artigo4 que questionava as técnicas baseadas em hierarquia usadas para o tratamento de agressão entre cães.
  • (D)   Li o livro da Dra. Tample Grandin5 que falava sobre o bem-estar de animais domésticos e questionava o conceito de dominância canina pelos seguintes pontos: Cães são cognitivamente diferentes de lobos cinzentos e os estudos posteriores feitos com observação de lobos em condições naturais descreveram que estes têm uma hierarquia familiar sem a necessidade do estabelecimento de relações de dominância.

Mas então como é? Vejo alguns autores e algumas associações ainda presos ao conceito da dominância despótica, do cão que quer dominar todos ao seu redor. Mas, eu cada vez mais me convenço que a estrutura social canina é muito mais próxima da estrutura social humana do que da do lobo cinzento. O prof. João Telhado no seu capítulo sobre Comportamento Social canino6 diz com muito bom humor que cães não conhecem o alfabeto grego. Em grupos de cães errantes ou semidomicilados não há a figura do casal alfa, encontrado em grupos de lobos, assim como não há um líder absoluto do grupo.

Então, dominância não existe? Existe. Mas se refere a relações estabelecidas entre dois indivíduos no contexto da prioridade de acesso ou do controle de determinado recurso e pode ser estabelecida de forma pacífica ou agressiva. Assim como há relações de dominância entre seres humanos ou quaisquer outros animais sociais.

Mas, como estabelecer o controle sobre o cão? Confiança. Estabeleça um vínculo de confiança com seu cão. Seja coerente, seu cão precisa saber que determinado comando ou forma de interação acarretará determinada recompensa ou não. E, por fim, eduque seu cão. Ele precisa saber o que ele pode e não pode fazer de forma clara e compatível com sua capacidade cognitiva.


Referências
1-      LUESCHER, A. U.; REISNER, I. R. Canine aggression toward familiar people: a new look at an old problem, Veterinary Clinics of North America, Small Animal Practice, v. 38, n. 5, p.1107-1130, 2008.
2-      CAMPBELL, W. E. A behavior test for puppy selection. Modern Veterinary Practice., v. 53, n. 12, p. 29-33, 1972.
4-      VAN KERKHOVE, W. A Fresh Look at the Wolf-Pack Theory of Companion-Animal Dog Social Behavior, Journal of Applied Animal Welfare Science, v. 7, n. 4, p. 279–285, 2004.

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